Artigos
Ricardo Gordo: A evolução da Guitarra Portuguesa e a sua presença na música contemporânea
Ricardo Gordo, que trabalhou com nomes como Dulce Pontes, Stereossauro e Beatbombers, comenta a sua relação com a Guitarra Portuguesa e como o instrumento tem evoluído no panorama musical português.
Publicado há
2 meses-
Por
Joel CostaRicardo Gordo, artista Yamaha e mestre em Ensino de Música com especialização em Guitarra Portuguesa, tem desbravado o caminho para novas sonoridades e aplicações deste instrumento tradicional. Nascido em 1987 em Portalegre, Gordo possui uma carreira muito rica, tendo trabalhado com nomes como Dulce Pontes, Stereossauro e Beatbombers. Em entrevista exclusiva à Guitarrista, o músico falou sobre a sua relação com a Guitarra Portuguesa e como o instrumento tem evoluído no panorama musical português.
«A guitarra portuguesa surge em 2009 com a oportunidade de estudar com o Custódio Castelo», começa por contar Ricardo Gordo. «Candidatei-me à licenciatura em guitarra portuguesa e concluí o meu percurso académico deste instrumento com um mestrado em ensino. Enquanto académico, é muito difícil dissociares o que aprendes/ensinas da tua performance com o instrumento. Isto contribui ainda hoje para a minha evolução técnica enquanto músico, seja em que instrumento for. Mas posso enunciar que, embora tenha começado com a guitarra eléctrica (quando tinha 10 anos), é com a guitarra portuguesa que encontro o meu som. Ou seja, a pureza de um instrumento acústico obriga-te a trabalhares e procurares o teu timbre. Desta forma pude melhorar muito o meu som com a guitarra elétrica.»
A Guitarra Portuguesa além do Fado
Embora a guitarra portuguesa seja frequentemente associada ao fado, Ricardo Gordo salienta que, após o fado se tornar Património Imaterial da Humanidade, o instrumento ganhou novas aplicações. O guitarrista menciona a sua colaboração com Stereossauro na música electrónica e hip hop como um exemplo de como a guitarra portuguesa tem sido utilizada de maneiras inovadoras.
«Quando o fado se tornou Património Imaterial da Humanidade houve um boom da guitarra portuguesa. Recordo-me que nesse ano (no qual eu era estudante), a imprensa portuguesa foi várias vezes ao politécnico entrevistar os alunos de guitarra portuguesa. Houve um interesse repentino pela guitarra, pelo fado, pelas escolas… A Mariza e a Ana Moura eram as novas fadistas do momento e de repente era “in” gostar de fado. Tornou-se um estilo mainstream por uns cinco anos, contribuindo para o aparecimento de novos fadistas e guitarristas. Como tal, a guitarra portuguesa também surgiu noutros meandros como os da música eletrónica e o hip hop – e aqui tenho de puxar a brasa à minha sardinha porque tive o privilégio de contribuir para esta faceta da guitarra portuguesa assim que começo a gravar com o Stereossauro. Depois do Bairro da Ponte, em 2018, houve outro boom da guitarra portuguesa com beat. Referencio ainda os Moonspell com António Chainho no metal. O Gaspar Varela com a Madonna na Pop americana. A Ana Moura com o Prince e os Rolling Stones. Foram óptimas e breves oportunidades de exportarmos a guitarra portuguesa lá para fora.»
Técnica e Abordagem
«Fui ensinado a utilizar a técnica tradicional e é essa que defendo.»
Ricardo Gordo defende a técnica tradicional da guitarra portuguesa, afirmando que «a guitarra só soa portuguesa se for tocada com duas unhas (indicador e polegar) na mão direita» e que «a sua sonoridade depende da abordagem e o trinado só soa desta forma.» No entanto, o músico explora ao mesmo tempo efeitos modernos, como reverbs e delays, para dar um toque contemporâneo à sonoridade do instrumento.
«Eu fui ensinado a utilizar a técnica tradicional e é essa que defendo. Não obstante, sempre explorei variadíssimos efeitos como reverbs e delays para que a guitarra me soasse mais moderna, mais semelhante à música que eu gosto de ouvir. Mas a técnica tem de ser a tradicional.»
Evolução e futuro da Guitarra Portuguesa
«Culturalmente, o fado é um nicho e foi tardiamente explorado na pop ao contrário do que fizeram os espanhóis com o flamenco.»
O músico reconhece que a evolução da guitarra portuguesa tem sido lenta em comparação com a guitarra espanhola, mas atribui essa diferença ao tamanho do país, à quantidade de guitarristas e guitarreiros e à forma como o fado foi explorado na música popular. Ricardo Gordo acredita que a técnica e a abordagem dos guitarristas tem evoluído, incorporando influências de outros estilos.
«Alguns construtores vão experimentando coisas novas para, de alguma forma, contribuírem para a evolução do instrumento. Na minha humilde opinião, (que é só minha), a evolução do instrumento em Portugal é lenta em comparação com a guitarra espanhola. Mas somos um país mais pequeno, com menos guitarristas e menos guitarreiros. Culturalmente, o fado é um nicho e foi tardiamente explorado na pop ao contrário do que fizeram os espanhóis com o flamenco. Este é apenas um dos muitos fatores que levaram a que a guitarra portuguesa tivesse sofrido poucas alterações desde o seu aparecimento no séc. XVIII. Na realidade, o que tem evoluído mais é a técnica e abordagem dos guitarristas que desde os anos 90 começaram a incorporar na sua técnica influências de outros estilos de música como o jazz e a música erudita.»
Sobre as suas composições preferidas, Ricardo Gordo afirma que gosta de tocar as peças da família Paredes e as suas próprias obras, pois elas representam as suas emoções e vivências: «As primeiras porque considero serem as mais bonitas alguma vez compostas para o instrumento, e que tanto o enaltecem. As minhas porque, obviamente, são as minhas emoções, as minhas vivências que partilho em forma de música.»
«As 12 cordas sempre me causaram uma sensação de vulnerabilidade por várias razões, mais não seja, por ser o instrumento que representa o meu país.»
O músico também comenta sobre a habilidade da guitarra portuguesa de contar histórias e transmitir emoções, embora se sinta mais confortável e com mais «vocabulário» com uma guitarra eléctrica: «A guitarra eléctrica foi o meu primeiro instrumento e ainda a considero como o principal. Embora tenha tido um percurso académico e artístico mais extenso com a guitarra portuguesa, é com a eléctrica que me sinto em casa. Desta forma, confesso que me sinto mais confortável e com mais “vocabulário” se tiver 6 cordas na mão ao invés de 12. As 12 cordas sempre me causaram uma sensação de vulnerabilidade por várias razões, mais não seja, por ser o instrumento que representa o meu país.»
«Se pouco espaço houve para Carlos Paredes, pouco espaço vai haver para outros que lhe sucedam.»
Para o futuro da Guitarra Portuguesa, Ricardo Gordo acredita que, após o boom de popularidade há dez anos, o instrumento voltou a ser mais nicho, embora ainda seja um símbolo da cultura musical portuguesa: «Enquanto professor sei o quão menos procurada é em relação a uma guitarra clássica ou piano. Ainda é vista como um instrumento associado à tasca de fado, apesar de já existir algum repertório erudito e terem surgido inúmeros novos guitarristas com trabalhos interessantes. Mas o nosso mercado é muito pequeno e, se pouco espaço houve para Carlos Paredes, pouco espaço vai haver para outros que lhe sucedam. Não obstante, acredito que a nossa guitarra vai ser sempre usada para dar um toque de “portugalidade” à música, independentemente do estilo que for. Enquanto músico, sabe-me bem encontrar pessoas que gostam de a ouvir, que a procuram e que aceitam a sua modernização por considerarem que a evolução é necessária para a sua preservação.»
Ricardo Gordo é um exemplo de como a guitarra portuguesa pode ser adaptada e modernizada para se inserir na paisagem musical contemporânea. Através de sua abordagem inovadora e experiências com diferentes estilos musicais, Gordo mostra que este instrumento tradicional tem potencial para evoluir e encontrar novos públicos. A sua dedicação e paixão pela guitarra portuguesa são inspiradoras, e com músicos como ele, o futuro deste instrumento icónico parece promissor.
Editor da revista Guitarrista, da página Custom Guitar Makers, autor do livro "Kurt Cobain: A História Contada Em Guitarras" e ex-editor da Metal Hammer Portugal. Apaixonado por guitarras e com vasta experiência no mundo da música e relações públicas, tem dedicado a sua carreira a explorar e partilhar histórias e conhecimentos sobre este incrível instrumento.