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Inovação e sustentabilidade: O processo de criação de headstocks na Laborda Guitars
Publicado há
2 meses-
Por
Joel CostaConstruir uma guitarra é um processo complexo que envolve muitas escolhas difíceis e máxima atenção aos detalhes. Uma das partes mais importantes de uma guitarra eléctrica é o headstock, no qual as cravelhas são fixadas e as cordas são afinadas. Vitor Laborda, da Laborda Guitars, é um luthier que se dedica a criar headstocks únicos e inovadores, que se destacam não só pela sua beleza, mas também pela sua funcionalidade.
Laborda prefere uma cabeça direita, reconhecendo no entanto que há sempre espaço para a experimentação e que é importante abrir novas portas e descobrir novas possibilidades na luteria: «Em relação ao headstock para mim sempre houve a questão da cabeça direita, que vai a direito, e a cabeça com ângulo. Esse é logo o primeiro dilema», diz em exclusivo à Guitarrista. «Pessoalmente acho que a cabeça direita funciona melhor com guitarras mais extremas, quando há muito bendings e é preciso alavanca e barras tremolo. As cabeças, quanto mais a direito, menos ângulo há na pestana e isso parece que funciona melhor. Há também uma questão de sustentabilidade que tem a ver com o seguinte: se a guitarra for a direito, com uma madeira de 2 ou 2,5 cm de espessura conseguimos fazer um braço a direito tipo Stratocaster, que é uma estratégia notável. No entanto, não se consegue o ângulo com uma madeira tão fina a menos que se utilize outra técnica que é cortar a madeira lá à frente, rodar e criar um ângulo através de colagem, que é uma técnica chamada scarf joint. Eu tento fugir disso e normalmente as guitarras mais baratas têm esse sistema pois há uma poupança de madeira e trabalho muito grande, pois trabalhar uma madeira de 5 cm só por causa do ângulo é bem mais trabalhoso e incorre em mais riscos e custos.»
O luthier prossegue na descrição do seu processo de trabalho criativo: «Tento optar por cabeças mais a direito, e sendo a cabeça assim, o que acontece é que como estou a trabalhar com uma chapa de 2 cm ou 2,5 cm, tem que se rebaixar e a espessura vai para 1,5 cm onde vão ser aplicadas as cravelhas. Depois aplico umas peças de madeira, geralmente de ébano que aproveito de escalas. Comecei a olhar para o ébano como uma madeira rija e estável e pensei que poderia usá-lo para reforçar a cabeça. Mesmo que queira fazer uma cabeça muito grossa, estou limitado pela estrutura das cravelhas, que estão feitas para serem aplicadas numa guitarra com espessura de 1,5 cm ou pouco mais, e obviamente que não dá para fugirmos muito disto a menos que fizéssemos cravelhas especiais só para este fim. A outra opção é reforçar à volta das cravelhas, onde elas não estão, mas isso dá muito trabalho e as fábricas fogem disso. Eu aproveitei toda essa parte para começar a reforçar isso com madeiras que aproveito de escalas e fui mais longe, pois tenho alguns modelos de guitarra em que quando faço a cabeça já faço o desnível no próprio corte, ou seja, sem colagem nenhuma.»
Em termos funcionais, Laborda acredita que isto é algo que «não faça muita diferença», e que a principal vantagem assenta em «aproveitar madeira que de outra maneira vai ser transformada em serradura», servindo-se da mesma para aplicar este conhecimento. «Se estas peças forem aplicadas para reforçar, podemos jogar com as cores. Uma outra estratégia que se pode aplicar é colocar um top no corpo, como um flame maple, por exemplo, e aproveitá-lo para aplicar na cabeça para dar uma continuidade estética ao instrumento. As peças servem depois para estabilizar as cordas, notando-se mesmo uma resistência tremenda, e essa é a grande aposta. Dá imenso trabalho mas sinto que compensa.»
A trabalhar no novo modelo Capricornus, Vitor Laborda comenta o design do headstock que podemos esperar desta sua nova criação: «No headstock tento evitar as guias das cordas e procuro que vão sempre a direito, pois quando submetidas a alavancas, quanto mais a direito forem mais probabilidades têm de voltar à sua posição de origem e manter sempre a afinação. Também existem cravelhas que travam as cordas ou que cortam o excedente, mas não sou radical. Gosto de olhar para as coisas e ver se a mecânica é boa. Já fiz guitarras com seis em linha, 3/3, 4/2, agora a Capricornus vai ser seis em linha invertida, em que a corda mais grossa é a que tem um comprimento maior. O seis em linha tem essa questão, em que não há uma distribuição de corda igual em todas e isso cria algumas divergências de corda para corda, pois o bocado de corda que vibra na cabeça não é igual em todas.»
«Já retirei marfim de estátuas antigas para aplicar em guitarras e é efectivamente um material diferente, mas não vamos matar um animal por causa disso.»
O processo de criação de um headstock começa com a escolha do material certo, com a selecção das cravelhas a exigir unidades que garantam estabilidade e durabilidade: «As cravelhas devem ser de uma marca como Schaller ou Sperzel, pois é importante ter ferragens de qualidade que vão durar muitos anos. Também precisam de ter estabilidade para aguentar a vibração e a afinação durante toda a execução de uma música, pois se tiver muita folga vibra ao ponto de ceder e desafinar. A cravelha deve ter a sensibilidade de levar a corda até onde queremos e a habilidade de aguentar a execução. A durabilidade é também muito importante para não ter que andar a esburacar a cabeça para inserir outro jogo de cravelhas que requerem furações diferentes. Em relação à pestana, tenho sempre preferência pelo osso, pois uma das disciplinas que nos dá, de facto, alguma sustentabilidade numa escolha é a estatística, e estatisticamente é um material que sempre foi utilizado. Existem instrumentos com centenas de anos que ainda têm o osso. Também há o marfim, que é uma arma de ataque e defesa, pelo que o marfim ou os chifres de um animal podem ser adequados. A questão é o marfim é um material muito nobre e não vamos matar elefantes como se fazia há anos, mas que é um material superior lá isso é. Já retirei marfim de estátuas antigas para aplicar em guitarras e efectivamente é um material diferente, mas não vamos matar um animal por causa disso. O osso faz o trabalho perfeitamente.»
«A prioridade é o braço e se for em maple terei que arranjar soluções no mesmo material para a cabeça, mas posso compensar com a colagem de uma outra espécie, e não fico limitado à selecção da madeira do braço. Construir um braço todo em ébano é de doidos. Há quem faça mas é de doidos, e caríssimo. Mas imagina que quero ter umas peças em ébano nas minhas guitarras… Aí já faz sentido e é muito simples de se conseguir fazer esse aproveitamento.»
O luthier da Figueira da Foz recordou a primeira guitarra e consequentemente o primeiro headstock que construiu com selo Laborda Guitars: «A primeira cabeça que fiz foi precisamente uma 4+2 da Music Man, e fiz um modelo chamado Cassiopeia que foi a primeira com a marca Laborda. Acho que é uma optimização muito interessante do espaço que a corda tem na cabeça, porque a cabeça é mais pequena, e resolve uma série de problemas. Temos menos madeira para o braço, não há colagens, não é preciso guias, e poupa-se uma série de dinheiro e recursos. Só tem uma questão, que é as próprias cravelhas serem do tipo 4+2, que não se encontram com tanta facilidade. Já mandei fazer na Schaller mas ficam mais caras só por ter essa exclusividade.»
Para Vitor Laborda, o reconhecimento pela sua criação de headstocks não é tão importante quanto a funcionalidade do instrumento, no entanto admite sentir-se satisfeito pelos seus designs terem um impacto positivo na indústria: «Não penso muito na recompensa. Gosto de chegar ao fim e perceber que o instrumento está bom, custe o que custar. É um bocado esse espírito. Este desafio da afinação é um desafio constante em qualquer instrumento, seja na guitarra ou num violino. É daqueles pontos que tudo o que se puder fazer para garantir uma certa estabilidade, é sempre positivo para o próprio luthier, e o músico perceberá isso. A recompensa é conseguir que o instrumento funcione e arranjar soluções cada vez mais económicas no sentido de não sacrificar material à toa, que é um ponto que eu procuro conseguir sempre, para não estragar madeira sem necessidade. A questão da afinação é o fundamental na cabeça, pois se não convencer não estamos a atingir o objectivo. Fico contente pelo facto das pessoas sentirem e focarem-se neste ponto, pois as cabeças são um grande ponto de identidade das guitarras, e fico contente por ver que as pessoas começam a perceber que é um conceito que tem alguma inovação. Para fazer aquilo que já está feito, e bem feito, não valia a pena. Não vou fazer uma guitarra com uma cabeça que já toda a gente faz e sem trazer algo de diferente, de novo ou característico. Abro portas diferentes, que acho ser esse o objectivo da luteria, e gosto de inovar e descobrir coisas novas. O gozo da vida é descobrir território novo e experimentar, mesmo que dê errado e não nos leve a lado nenhum, mas dará a possibilidade de percebermos que não funciona e que não vale a pena ir por ali. Contam que disseram a Edison que testou 5.000 formas de fazer a lâmpada e que errou 5.000 vezes, mas ele responde ‘Eu não errei 5.000 vezes. Eu excluí 5.000 possibilidades’. É esse o espírito, para nos abrir novas possibilidades e dar-nos a confiança de sabermos o que funciona ou não. Dá-nos uma autoridade diferente, por isso é que é difícil inovar e criar novos conceitos.»
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Fotografias: Cortesia de Laborda Guitars.
Editor da revista Guitarrista, da página Custom Guitar Makers, autor do livro "Kurt Cobain: A História Contada Em Guitarras" e ex-editor da Metal Hammer Portugal. Apaixonado por guitarras e com vasta experiência no mundo da música e relações públicas, tem dedicado a sua carreira a explorar e partilhar histórias e conhecimentos sobre este incrível instrumento.